quarta-feira, 7 de dezembro de 1988

haicai / Creação

Luz. Calor. O sol!
Nem mesmo o destino a esmo
faz um arrebol.
Rubens Oficial
Tatuí, 1988

terça-feira, 1 de novembro de 1988

árvore triste

árvore triste,
galhos tortuosos
procurando o chão,
peso dos frutos?

debruça, cabisbaixa,
ignorando os passarinhos

mas à tarde ela se agita
à espera dos meninos pobres da vila
que com ela vêm brincar.

Boituva, 1988

terça-feira, 26 de julho de 1988

quinta-feira, 7 de julho de 1988

testamento

Quando meu corpo se tornar imprestável
e meu espírito de enfado repousar,
não quero alucinações nem desmaios.
Se fui bom, aperfeiçoa.
se mal, lamenta,
que para perdoar já será tarde.
Quando meu fôlego for suprimido,
rasga meus versos vadios.
Guarda somente aqueles que talvez possam inspirar bondade.
Esses, se achares, guarda-os
como se fossem minha voz
reproduzida
por ecos contínuos
entre as quatro margens do papel.

Boituva, 1988

os óculos de minha avó


Os óculos de minha avó
ficaram sobre o criado. Mudos.
Nunca mais verão os olhos
cansados de minha avó.
Mas quem os vê
pode ainda contemplar neles
o último olhar do adeus de minha avó.
- Me perdoe, qualquer coisa.
- Cuide bem do Vicentinho.
Aquele olhar de santa
ficou parado,
indiferente ao tempo,
para sempre gravado
nas lentes grossas
dos óculos de minha avó.
Sobre o criado.
Mudo.

.

Tatuí, 1988. Outras mídias: O Progresso de Tatuí (1993); Noite e Poesia de Tatuí (2000); Letras do Novo Milênio (RJ, 2001); Dias de Poesia (Itapetininga).

Da África Amiga


Da África amiga, eu era a alma.
Do chão da pátria, o senhor.
Nos meus braços estavam
as esperanças de minha terra
e a certeza de minha raça.
Mas, da maldade, fui presa.
De brutalidades, a vítima.
- De meu povo fui sequestrado.
Do navio imundo, fui o lastro.
Dos cruéis, mercadoria, moeda maldita.

Enterraram viva a minha consciência.
Enterraram viva a minha fé.
Enterraram vivo o meu destino.
Viva, enterraram a minha liberdade.
O fruto do meu trabalho
era doce na boca do meu senhor,
mas amargo no meu coração.
- Para mim, não era a estação dos frutos.

Princesa Isabel...
Liberdade me deram para sofrer.
Liberdade me deram para morrer.
Liberdade me deram para não ser
cidadão, proprietário, semelhante.

Fui vender doces, fazer balaios
ou me empregar na fazenda dos cruéis,
para não morrer de fome;
para não roubar, se possível.

Do Brasil fui a ralé.
Deste chão, erva maldita.
Não me aceitou gente de bem,
como se eu fosse o bandido da história.

Da chibata, desci à sepultura,
mas revivi no sangue de meus filhos.
E hoje caminho no porão imundo
do grande navio social.
Não sou escravo, sou escória.
Não sou sujeito, sou suspeito.
Navegando...na calmaria.
Lançado ao mar... na tempestade humana
que não procurei.



Tatuí, 1988. Outras mídias: Jornal "O Tatuiano", coluna "Relevos", de Odimar Martins, 14/05/1998; Prêmios: Fepoc (Cerquilho/SP, 1999), Prêmio Unimed (Tatuí/SP).

percepções / InDependência


dependency
independência

dependency
independência

dependency
independência

dependency
independência

dependency
independência
Tatuí, 1988

o sapo

Sentinela petrificada,
robusto, altivo, solerte,
está o sapo na calçada
como a matéria inerte.

Olhos grandes, dois botões
no ápice do corpo ereto,
perscrutam aproximações
descuidadas de insetos.

E, como se um gatilho disparasse,
a lingua do sapo dispara,
longa, lépida. Como num passe
de mágica, arrebatara 

uma mosca, mariposa...
Depois se ajeita, saltitando
levemente, sem ruído, e posa
novamente, inerte, disfarçando.

Boituva, 1988

CREAÇÃO

Luz. Calor. O sol!
Nem mesmo o destino a esmo
faz um arrebol.


Tatuí, 1988

LUZ DO CORPO

Olho: luz do corpo.
Se teus olhos forem maus,
que caminho torto!

CA-BELOS

Os teus cabelos,
menina linda,
deixa crescê-los
bem mais ainda.

trova | O peão merece respeito

O peão merece respeito
(Ouviu bem, senhor patrão?)
para poder com efeito
do suor comer seu pão.

RAZÃO PRA VIVER

Sei que não devo ser triste.
Tenho razão pra viver.
Saber que em mim Deus existe,
saber que existo em seu Ser.

trova | Deveria mais atenção

Deveria mais atenção
à criança ser dispensada.
A criança está co'a razão
da alegria tão procurada.


trova | Só o Autor de tudo tem

Só o Autor de tudo tem
o poder para criar
algo para o nosso bem
que, entretanto, é o nosso "mar".