quinta-feira, 6 de agosto de 2009

crônica: O CACHORRO NO MURO

Rubens Antônio da Silva
Imagino que o dono tenha saído às pressas. Não deve ter notado que seu cãozinho de estimação fugira sorrateiramente ao abrir do portão. Certo é que, quando passávamos pela avenida, presenciamos aquela cena digna de aparecer na televisão: um cão entalado numa fresta de muro, remexendo o traseiro, já cansado, na tentativa de voltar para casa ou retornar à rua. As pessoas que chegavam iam se alarmando com tão insólita imagem. Ninguém queria por a mão. O animal não era tão pequeno assim, nunca se sabe. Há cães agressivos por aí. Calmo é que ele não deveria estar naquela situação.

É preciso tomar cuidado com a guarda dos animais, assim como de instrumentos contundentes, produtos químicos... E também trancar nossa cólera, a inveja, os instintos maldosos...

Resolvemos chamar um vizinho, alguém que conhecesse o animal, soubesse seu nome, enfim... É preciso resolver os problemas, delegar funções.

E a primeira pessoa que nos atendeu, um velhinho, se dispôs a socorrer o animal. A criatura era dócil, dizia ele. Era acostumado a roçar-lhe o pelo com as mãos, a falar com ele, se entendiam bem. O homem sacou o cachorro na altura das costelas e puxou-o para fora, depositando-o rapidamente no chão. Um belo vira-lata, que saiu lépido, sem agradecer. Parece que nem reconheceu o amigo que o salvara. Era um cão: um homem deve ser sempre agradecido àqueles que, de uma forma ou de outra, os livram dos apertos do dia-a-dia.

Parecia tudo resolvido. Entramos na casa de uns parentes ali nas proximidades já com assunto para conversar. Cumprimentos, afagos, recepção calorosa. Mas não demorou muito e eis um novo alvoroço na rua. Saímos apressados e curiosos, o que seria desta vez? Não era outra coisa senão o cachorro novamente entalado no buraco do muro, arranhando o reboco no ímpeto de se lançar para dentro da casa. Saímos todos para a via pública, agora mais risonhos que preocupados. Algumas crianças já haviam chamado aquele prestativo senhor, que agora vinha mal humorado, xingando o cão, maldizendo o dono. O que dizer de um animal de estimação sem o direito de ir e vir? Fosse gente, diríamos que às vezes é necessário desistir de nossos sonhos, sim. Mas, com referência ao buraco no muro, mal comparando, seria como convidar um amigo para o almoço e sair de casa, ou coisa assim. Sim, o buraco no muro era um convite ao cão. É preciso tapar os buracos que insinuam mas não deixam entrar, os convites vazios.

O homem sacou o cão, desta vez de má vontade, e o lançou violentamente ao chão. Por que maltratar o animal? Não precisava. Nós também fazemos coisas parecidas, só que com menos justificativas.

3º. lugar no 7º. Concurso Paulo Setúbal - Crônicas (2009), promovido pela Secretaria da Cultura de Tatuí.

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